Tem estudo, então funciona. Será?

Um dos temas dentro da área de saúde que mais me interessou desde criança foi dietas. Eu sempre fui mais “robusta” que minhas amigas e isso sempre me incomodou, especialmente porque eu fazia ballet e nesse meio não tem como não se comparar. Então, desde criança, ou pré-adolescente, eu lia sobre dietas nas revistas que eu tinha disponíveis: Capricho, Carícia, Boa Forma, etc.

Essas revistas eram a maior desinformação do mundo e traziam dicas de dietas altamente restritivas, do tipo “Essa dieta de 800 kcal vai fazer você secar 5kg em 5 dias” (sério). E eu fazia – na verdade tentava fazer – todas. E desistia em um dia, porque não tinha a menor possibilidade de uma adolescente ativa consumir 800 kcal por dia sem surtar.

Eis que um dia eu fui pros Estados Unidos, passei um mês lá, com 14 anos, sendo a adolescente mais feliz do mundo, comendo todos os hamburgueres e tex mexes e cereais açucarados e cookies e manteigas de amendoins e M&Ms do mundo. Voltei com 5 kg a mais (arram, em um mês) e até minha mãe se apavorou. Fui num endócrino e recebi uma dietinha básica e consegui emagrecer. Mas daí eu quis emagrecer mais, mais, mais, e comecei a fazer uma dieta vozes da minha cabeça, que consistia em: comer meio pão francês pela manhã e um sorvete de tarde e talvez umas duas bolachas recheadas de noite. Emagreci horrores, o rebote veio forte, engordei horrores e aí a saga do engorda emagrece começou até que chegou um momento apenas de engorda engorda.

Dietas e estudos científicos

Na minha eterna saga por uma dieta ideal, eu comecei a ler sobre low carb, carnívora, vegetariana, cetogênica, dieta dos pontos, etc. E caí nas graças do povo da low carb e “descobri” que o carboidrato é que era o grande mal do mundo. Ou seja: é só tirar o carbo que a magia acontece. Gordura? À vontade! Proteína? Também! Até álcool tá liberado – vodka, gin, tudo que não tenha carbo. Maravilha! Sem essa coisa retrógrada de contar calorias. E eu lia muitos médicos que citavam muitos estudos comprovando que o carbo era o grande vilão da humanidade. E eu pensei “gente, como ninguém fala sobre isso? Como que somente esses poucos médicos que foram atrás desses estudos sabem disso? Por que todo o resto está tão atrasado?”. Isso muito me intrigou. E eu fiz a tal da cetogênica por dois meses, perdi uns 2kg, tive um desarranjo intestinal eterno e perdi toda a vontade de viver.

E aí eu fui pesquisar mais a fundo sobre os diversos tipos de estudos e como interpretá-los. E pode parecer um pouco difícil de entender – tanto é que parece que muitos médicos não entendem – mas, para não cair em lorotas, eu me obriguei a saber o mínimo sobre isso e fiz aqui um resuminho sobre o que eu aprendi.

Tipos de estudos científicos (em ordem de força de evidência)

1. Relatos e séries de casos

O que são: descrições de um ou poucos pacientes que apresentaram determinado efeito ou resposta a um tratamento.

Para que servem: levantar hipóteses iniciais.

Limitação: não provam causa e efeito — são observações sem grupo de comparação.

2. Estudos observacionais

Esses estudos observam o que acontece “na vida real”, sem interferência do pesquisador.

a) Estudos transversais: analisam uma população em um único momento (fotografia instantânea).

Úteis para medir prevalência (quantas pessoas têm algo).

b) Estudos de caso-controle: comparam pessoas com uma doença (casos) e sem ela (controles) para ver se houve exposição a um fator.

Úteis para doenças raras.

c) Estudos de coorte: acompanham grupos expostos e não expostos a um fator ao longo do tempo para ver quem desenvolve a doença.

Úteis para estimar risco relativo e associação temporal.

Esses estudos mostram associação, mas não comprovam causalidade.

3. Ensaios clínicos controlados (RCT – Randomized Controlled Trials) = AQUI COMEÇA O PADRÃO OURO PARA VALIDAR PRÁTICAS MÉDICAS

O que são: estudos experimentais em que os participantes são randomizados (distribuídos aleatoriamente) para receber o tratamento ou placebo/controle.

Por que são importantes: permitem inferir causalidade e controlar vieses.

Duplo-cego: nem pacientes nem pesquisadores sabem quem recebe o quê — reduz expectativa e viés.

Resultados: medem eficácia, segurança, e eventuais efeitos adversos.

São a base da validação de tratamentos — especialmente quando bem desenhados e com amostras grandes.

4. Revisões sistemáticas e meta-análises = PADRÃO OURO

O que são: estudos que reúnem e analisam criticamente todos os ensaios clínicos relevantes sobre um tema.

Meta-análise: faz análise estatística combinada dos resultados.

Por que importam: sintetizam o corpo total de evidência disponível.

São o padrão-ouro (“gold standard”) para validar se um tratamento realmente funciona.

Obs: Mesmo estudos de padrão ouro podem ser ruins. Existe uma série de vieses que devem ser levados em conta para identificar um bom estudo. Mas isso é papo para outro post.

Tá, e o que nós pacientes, meros mortais temos a ver com isso?

O que tudo isso significa na prática para nós, seres humanos normais? Que se alguém vier com um “protocolo” de tratamento totalmente diferentão e te disser: “Cara, isso funciona, tem 90080708 estudos sobre isso”, desconfie.

Ou: 99,9% (número tirado da minha cabeça) dos estudos não comprovam CAUSALIDADE, não servem para um médico te receitar um tratamento específico, uma dieta, uma recomendação. Se somente o SEU MÉDICO receitar uma coisa completamente fora dos padrões porque ele leu estudos, ele não é um SÁBIO FORA DA CURVA, ele simplesmente não sabe interpretar estudos ou sabe e tá te enganando na cara dura. A ciência tem métodos, a ciência é analítica, a ciência precisa de tempo.

No meu caso, sobre a tal da dieta cetogênica: estudos padrão ouro não mostram maior eficácia em perda de peso da dieta low carb sobre a low fat, por exemplo, quando o déficit calórico é o mesmo. O que vale para perder gordura é comer menos do que gasta, não tem outro jeito. Carboidratos não são vilões e são extremamente importantes para nos dar energia, fornecer fibras e muitos outros micronutrientes.

E, por último, e não menos importante, vale o ditado popular: “Quando a esmola é demais, o santo desconfia”.

Sobre esse tema, recomendo muitíssimo seguir o Léo Costa e o Igor Eckert. Ambos pesquisam muito sobre PBE – práticas baseadas em evidências – e falam de forma muito didática sobre o tema.

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